sábado, 18 de fevereiro de 2012

Os Jogos Cooperativos e as Inteligências Múltiplas

por Mônica Teixeira
extraído da seção "Entendendo os Jogos" da edição 1 do ano II  da Revista Jogos Cooperativos.

O Luizinho da segunda fila
Marcelo é um excelente professor de Geografia. Na aula sobre o Pantanal até excedeu-se. Falou com entusiasmo, relatou com detalhes, descreveu com precisão. Preencheu a lousa com critério, soube fazer com que os alunos descobrissem na interpretação do texto do livro a magia dessa região quase selvagem. Exibiu um vídeo, congelou cenas e enriqueceu-as com detalhes, com fatos experimentados, acontecimentos do dia-a-dia de cada um.
Em sua prova, é evidente, não deu outra: uma redação sobre o tema e questões operatórias que envolviam o Pantanal, seus rios, suas aves, sua vegetação... a planície imensa. Os alunos acharam fácil. Apanharam suas folhas e começaram a trazer, palavra por palavra, suas imagens para o papel. As canetas corriam soltas e as linhas transformavam-se em parágrafos. Marcelo sabia o quanto teria que corrigir, mas vibrava...Sentia que os alunos aprendiam. Descobria o interesse que sua ciência despertava. Não pôde conter uma emoção diferente quando Heleninha, sua aluna predileta, foi até sua mesa e arfante solicitou:
-Posso pegar mais uma folha em branco?
O único ponto de discórdia, o único sentimento opaco que aborrecia Marcelo, era o Luizinho, aquele da segunda fila. – Puxa vida! – pensava – Luizinho assistira todas as suas aulas, arregalara os olhos com as explicações e agora, na prova, silêncio absoluto, imobilidade total... nem sequer uma linha. Sentiu ímpetos de esganar. Luizinho pagaria seu preço, iria certamente para a recuperação. Se duvidassem poderia, até mesmo, leva-lo à retenção. Seria até possível arrancar um ano inteirinho de sua vida...
Minutos depois, avisou que o tempo estava terminado. Que entregassem suas folhas. Viu então que, rapidamente, Luisinho desenhou, na primeira página das folhas da prova, o Pantanal. Rico, minucioso, preciso. Marcelo emocionou-se, ao ver aquele quadro, de irretocável perfeição, nas mãos de Luizinho que coloria as últimas sobras. Entusiasmado indagou:
-E aí, Luis? Você já esteve no Pantanal?
Não. Luizinho jamais saíra de sua cidade. Construiu sua imagem a partir das aulas ouvidas. Marcelo sentiu-se um gigante e, de repente, descobriu-se o próprio Piaget. Havia com suas palavras construído uma imagem completa, correta e absoluta na mente de seu aluno.
Mas, deu zero pela redação. É claro. Naquela escola não era permitido que se rabiscassem as folhas da prova.
A história de Luizinho repete-se em muitas escolas.
Sua Inteligência pictórica é imensa, colossal, lúcida, clara e contrasta visivelmente com as limitações de sua competência verbal. Expressou o que sabia, da maneira como conseguia. Mas, não são todos os professores que se encontram treinados para ouvir linguagens diferentes da que a escola instituiu como única e universal.
(Trecho do Livro Marinheiros e Professores, 6a ed., Petrópolis, Vozes, 2000, p. 72-73, Celso Antunes)
A " descoberta" da Inteligência
A história de Luizinho continua repetindo-se em muitos cenários dentro e fora do Brasil; crianças, adolescentes e adultos que por responderem de forma diferente do que o desejado são colocados na posição desconfortável e muitas vezes aniquiladora do "incompetente", ou seja, aquele que mostra-se não capacitado a desenvolver certa tarefa. Seria isso?
No século XX nossa sociedade maravilhou-se com a possibilidade de medir a inteligência de um sujeito, através dos famosos testes de QI - cujo resultado expressa o coeficiente entre a idade mental pela idade cronológica, multiplicado por 100. Saber se alguém era ou não inteligente mostrava-se fundamental para "classificar" ou "desclassificar" alguém para uma tarefa ou um cargo. Todo esse processo e comportamento social que foi criado baseado nesse movimento, reforçou ainda mais problemas de auto-estima e todos os "autos" que conhecemos, pois pessoas eram excluídas e rotuladas em processos mecânicos onde muitas vezes acreditavam realmente ser menos que os outros e "levavam" esse "peso limitante" por toda a vida. Claro que meu objetivo aqui não é julgar tais testes, os quais conheço bem pois os utilizei no inicio de minha atuação profissional como psicóloga, entendendo ser este o caminho correto visto que era o único que conhecia.
Felizmente, em 1980 Howard Gardner lançou um livro chamado Inteligências Múltiplas, que fez muito sucesso no mundo inclusive no Brasil, mudando a visão e ação de muitos educadores e profissionais, sendo hoje prática pedagógica em inúmeras escolas em todo mundo. Segundo Gardner há uma outra perspectiva para a inteligência "...podemos entender a Inteligência como a capacidade de resolver problemas ou de elaborar produtos que sejam valorizados em um ou mais ambientes culturais ou comunitários" diz Gardner.
Dentro desta perspectiva entende-se que as pessoas são apenas diferentes umas das outras. Portanto, o papel do educador é aceitar essas diferenças como algo natural, visto que todos temos "forças" e "fraquezas", sendo um grande engano acreditar que existe uma única inteligência em termos da qual todos poderiam ser comparados. Desta forma é fundamental que o educador, seja ele de crianças, adolescentes ou adultos, dirija-se ao educando da forma mais direta e pessoal possível, a fim de "alcançar" aquela pessoa. Sabe-se que em processos de comunicação, a responsabilidade pela qualidade da comunicação é do emissor e não do receptor.
Mas do que tratam as Inteligências Múltiplas?
Gardner em seu livro: "Inteligências Múltiplas – A teoria na prática", define sete tipos de inteligências:
•Inteligência lingüística - é o tipo de capacidade exibida em
sua forma mais completa, talvez, pelos poetas. Quando trabalhada esta inteligência, leva a pessoa a expressar-se com mais clareza utilizando-se da fala e escrita para expressar sua realidade, sonhos e relacionar-se.
•Inteligência lógico-matemática - como o nome indica, é a capacidade lógica e matemática, assim como a capacidade científica. O estímulo para seu desenvolvimento estruturam na pessoa novas formas sobre o pensar e uma percepção apurada dos elementos da grandeza, peso, distância, tempo e outros que envolvem ação sobre o ambiente.
•Inteligência espacial - é a capacidade de formar um modelo mental de um mundo espacial e de ser capaz de manobrar e operar utilizando esse modelo. Quando estimulada desperta a pessoa para a compreensão mais ampla do espaço físico e temporal onde vive e convive e sensibiliza para a identificação de suas referências de belezas e fantasias.
•Inteligência musical - está ligada às pessoas que conseguem identificar sons, ler e criar músicas com facilidade, expressando-se através desta linguagem.
•Inteligência corporal-cinestésica - é a capacidade de resolver problemas, comunicar-se ou de elaborar produtos utilizando o corpo inteiro, ou partes do corpo, controlando os movimentos e manipulando objetos com destreza. O estímulo dessa inteligência pode privilegiar dois campos que se complementam: a sensibilidade ampla, ligada a força, equilíbrio, destreza e outras manifestações do corpo como um todo, ou a sensibilidade fina ligada ao tato, paladar, olfato, visão, atenção e outros componentes. Seu estímulo ensina a pessoa a "ver"e não apenas olhar.
•Inteligência interpessoal - é a capacidade de compreender outras pessoas: o que as motiva, como elas trabalham, como trabalhar cooperativamente com elas. Buscar a empatia com abertura e controle emocional a fim de responder adequadamente as atitudes, emoções, motivações e desejos das outras pessoas.
•Inteligência intrapessoal - é uma capacidade correlativa, voltada para dentro, de formar um modelo acurado e verídico de si mesmo e de utilizar esse modelo para operar efetivamente a vida, ou seja de buscar o autoconhecimento, tendo uma boa percepção de sua identidade assim como a capacidade de discernir e dominar suas emoções.
Após esse primeiro momento continuando seus estudos em seu instituto, Gardner encontrou mais três inteligências:
•Inteligência Pictográfica - observada em pessoas que conseguem se expressar pela pintura, desenho, escultura ou imagens gráficas.
•Inteligência Naturalista - competência do homem de entender o mundo e a natureza, perceber e compreender a sua mortalidade, a vida como um todo e as diferenças entre os diversos tipos de vida existentes no planeta.
•Inteligência Existencial – Fazer perguntas básicas sobre a vida, a morte, o universo. Capacidade da pessoa em situar-se ao alcance da compreensão integral do cosmos, do infinito e o infinitesimal, assim como a capacidade de dispor de referências a características existenciais da condição humana, compreendendo de maneira integral o significado da existência, portanto, da vida e da morte, o destino do mundo físico e psicológico e a relação do amor por um outro, pela arte ou por uma causa.
Com essa descoberta Gardner quebrou paradigmas e a este respeito Celso Antunes diz: "Esses paradigmas, ainda que não modifiquem os tradicionais conceitos usados para definir "Inteligência", alteram, e de forma extremamente sensível, a compreensão sobre como aprendemos ou não aprendemos, e principalemtne substitui a concepção de que possuímos "apenas uma inteligência". Derruba-se o mito de que a transmissão de informações pode tornar pessoas receptoras mais inteligentes e descobre-se que, na realidade, abrigamos um elenco extremamente diversificado de "diferentes" Inteligências, sensíveis a estímulos que, se aplicados através de um projeto e nas idades convenientes, altera profundamente a concepção que o ser humano faz de si mesmo e os limites de suas potencialidades."
O que tudo isso tem a ver com os Jogos Cooperativos?
Sabemos hoje o quanto os jogos de uma forma geral podem aguçar sensibilidades e competências como o pensar, criar, tocar, ver, mover-se, etc. Os educadores cada vez mais utilizam os jogos como método pedagógico de ensino. Entendo que os Jogos Cooperativos e a Pedagogia da Cooperação estão perfeitamente alinhados com as idéias de Gardner quanto ao desenvolvimento das Múltiplas Inteligências em muitos aspectos.
Os Jogos Cooperativos são versáteis, com regras flexíveis e por isso adaptam-se a todo tipo de pessoas, grupos, espaços e competências. Facilitando inclusive a utilização de mesmas estruturas para diferentes disciplinas sem perder o desafio do jogo. De forma geral, os jogos têm uma estrutura simples, o que permite certa facilidade na aplicação, e profundidade no momento da exploração do jogo e relação com o conteúdo que se deseja trabalhar de forma ampla, auxiliando na construção do conhecimento, e também de valores e identidade. São Jogos Inclusivos, ou seja, reforçam competências existentes e desenvolvem outras de forma respeitosa, sendo exatamente a inclusão, um dos princípios fundamentais da Pedagogia da Cooperação e do Jogo Cooperativo. Todos participam, cada qual com suas competências, naquele momento, e não existem cobranças ou julgamentos, pois nessa proposta o que importa é o todo, o trabalho do grupo e não a comparação individual como nos jogos competitivos. O processo é muito mais valorizado que o resultado. Se existe alguém com uma limitação que impediria sua participação, esse é um desafio para que o grupo encontre alternativas onde o jogo seja possível para todos, e ao mesmo tempo o jogo seja interessante e desafiador. Nos Jogos Cooperativos, valoriza-se quem joga, muito mais do que o jogo e desta forma pode-se experimentar o verdadeiro VenSer.
Referências:
Gardner, Howard, Inteligências Múltiplas: A teoria na prática. Porto Alegre: Artes Médicas, 95
Antunes, Celso. Jogos para a estimulação das Múltiplas Inteligências. 7 ed. Petrópolis: Vozes, 98
Antunes, Celso. Coleção na Sala de Aula - Vozes,01
Fascículo 3 - Como desenvolver conteúdos explorando as Inteligências Múltiplas
Fascículo 4 - Como identificar em você e sseus alunos as Inteligências Múltiplas.
Armstrong, Thomas. Inteligências Múltiplas em sala de aula. 2 ed. Portio Alegre: Ed ArtMed, 01

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