sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

O regresso dos "porquenãos"

O regresso dos "porquenãos"

Numa das "Cartas à Alice", expliquei à minha neta que "os porquenãos assim se chamavam por não saberem explicar por que faziam o que faziam ? era assim porque era assim... e pronto!". A Alice entendeu. Mas ainda há quem não tenha entendido. Para quem não sabe o que são porquenãos, direi que são criaturas que padecem de pensamento único, enfermidade dificilmente detectável a olho nu.
A lista das doenças que afectam as escolas é extensa. Referirei algumas.
O "modismo" caracteriza-se pela adopção acéfala de modas pedagógicas, quase sempre importadas. Associado ao "aventureirismo pedagógico" e ao "praticismo", o "modismo" foi (e ainda é) responsável por transtornos vários e graves sequelas.
O "teoricismo" (doença antípoda do "praticismo") afecta parte significativa de uma universidade ancilosada. Os enfermos produzem inúteis teorizações de teorias inúteis, produzidas sobre teorias de teóricos que não fazem a mínima ideia das práticas sobre as quais teorizam. No aconchego dos seus gabinetes, os afectados pelo "teoricismo" desenvolvem sofisticadas propostas teóricas, que não logram fertilizar as práticas, dado que a "impotência prática" é um dos sintomas associados a esta maleita.
A "síndrome do pensamento único" consiste num conjunto de afecções patológicas muito comuns em opinion makers e professores. Para estes doentes existe um só modo de pensar, um só modo de agir, um só modelo de escola. Todo o pensamento divergente, toda a prática dissonante os impele a reacções violentas (quase sempre, por escrito). Publicam artigos de opinião, ou meros comentários, em tom persecutório. Quem ousar interpelar o modelo único, sugerir alternativas, ou instituir outras práticas, sofrerá a perseguição feroz de hordas de porquenãos, porque o pensamento único não permite veleidades.
Muitos jornalistas e professores porquenãos manifestam uma particular predilecção por desdenhar daquilo que chamam de "novas teorias das ciências da educação". Na opinião dos porquenãos, essas "teorias" são a causa dos males que afectam o sistema educativo. Porém, se perguntarmos aos porquenãos quais são essas nefastas "teorias", eles não saberão responder, porque só sabem falar de ouvido e entoam sempre a mesma cantilena. Provavelmente, se conhecessem alguma teoria e a tivessem estudado, não saberiam entendê-las, dado que o diletantismo e o dogmatismo ? sintomas associados à síndrome do pensamento único ? são causadores de uma espécie de cegueira, que os impede de vislumbrar horizontes vários, além do seu restrito quadro de referências. Quem não consegue sair de um quadro de referências limitado não entende discursos e práticas divergentes. Quando falo da possibilidade de as escolas darem resposta educativa a todos, não estou a referir-me às escolas que funcionam nos moldes em que funcionavam há um século. Refiro-me a escolas que, por exemplo, dispensaram a subdivisão dos alunos por turmas, que abandonaram práticas de avaliação selectiva e aulas dadas para "alunos médios" imaginários. Refiro-me a escolas que substituíram a tralha tradicional por dispositivos pedagógicos e práticas que derrubaram obstáculos à inclusão. Sei que é possível "concretizar utopias". E que não há um só modo, mas haverá vários modos de as "concretizar"?
Poderia falar-vos de outras doenças profissionais pouco estudadas, de que as teses sobre stress e mal-estar docente são meros sucedâneos. Poderia falar-vos da mesmice, do isolacionismo, do corporativismo, da burocratização, do ensimesmamento, do fundamentalismo pedagógico, etc. Mas não me sobra espaço. Remeto o leitor interessado para um "Pequeno Dicionário dos Absurdos da Educação", que, em breve, será publicado.
Quem escreve expõe-se. Mas continuarei a expor-me e a dizer o que é preciso que seja dito. E, dada a diversidade e riqueza de "comentários" recentes, abrirei uma excepção à regra, para fazer dois brevíssimos? comentários.
Creio que aqueles que me rotulam de "teórico" o fazem por falta de informação. Fui sempre um professor na prática. Nos últimos trinta anos, fui professor numa escola que provou ser possível dar resposta educativa a todos, inclusive, àqueles a quem chamam "deficientes". Essa escola é, hoje, referência de qualidade em todo o mundo. Mas, num país pequenino, não se pode perturbar a mediocridade instituída. Talvez por isso, a maldade de "certos professores a quem não se pode fazer certas perguntas" se tenha abatido sobre essa escola e encha a Internet de comentários jocosas. Que os deuses se compadeçam e lhes perdoe!
O derradeiro comentário é este: escrevo para os que não padecem de pensamento único. Escrevo porque acredito nos professores e no seu potencial de mudança. Tenho os professores na mais elevada consideração. Orgulho-me de ser professor. E há muitos professores que merecem o meu respeito, pelo seu empenho profissional e a sua dedicação. É a eles que ofereço o meu tempo de escrita solidária, é para eles que dirijo o meu pensamento. Não perco tempo a pensar nos cínicos.

Fonte: 
http://www.apagina.pt/?aba=7&cat=175&doc=13180&mid=2

Lauro

(http://www.laurodeoliveiralima.com.br/index.htm)



agostinho da silva (http://cvc.instituto-camoes.pt/filosofia/1910h.html)

Agostinho da silva (http://casagostinhodasilva.blogspot.com/2011/11/jose-aparecido-de-oliveira-agostinho-da.html)

"O homem não foi feito para trabalhar, mas para criar”.

Euripedes Barsanulfo (http://pt.wikipedia.org/wiki/Eur%C3%ADpedes_Barsanulfo)
Colégio Allan Kardec - modelo inovador 19h00 - video 2

Tomás Novelino

Roberto Crema





tIÃO ROCHA - http://www.cpcd.org.br/principal/tiao.html

ladislau dowbor (http://dowbor.org/)

Augusto franco (http://netweaving.ning.com/)
Eu sou útil no que faço?

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Por que você não muda?

Desenredo - Renato Braz e Zé Renato

A ESCOLA POSSÍVEL DE MIGUEL ARROYO




Não é somente o Brasil que debate a questão de uma escola para todos. Na estrutura de classes estabelecida no mundo burguês ocidental, esta discussão arrasta-se interminavelmente desde os primórdios do ascenso da burguesia ao poder e a consequente divisão capital/trabalho e o triunfo da mais-valia. Os preceitos liberais de igualdade de condições para todos são cumpridos em seu aspecto mais perverso: no momento da cobrança de eficiência.

A maquinaria seletiva e avaliativa não estabelece desigualdades entre ricos e pobres, entre os que estão alimentados e os que não estão, resultando na exclusão pura e simples daqueles que não conseguem acompanhar o ritmo único.

EVASÃO ESCOLAR OU FRACASSO DA ESCOLA?

Miguel Arroyo
O poder público e os pedagogos responsáveis pelas políticas de educação criaram o termo "evasão escolar". É um rótulo que tem um pressuposto subjacente não muito camuflado pela ideologia.

É facilmente verificável que a evasão escolar debita na conta do aluno a responsabilidade do fracasso. Este rótulo transfere para a esfera individual e familiar a culpa da saída do aluno da escola e inocenta a própria escola. Dificilmente estes agentes falam em fracasso da escola, em inadequação da escola a um aluno que não é respeitado como classe. Miguel Arroyo fala em "classes subalternas", ou seja, as classes sociais localizadas na base da pirâmide do poder aquisitivo.

Na questão social de fundo da inexistência de uma escola única para pobres e ricos, reside um fato profundamente paradoxal; na escola, o aluno é tratado como indivíduo e no máximo como família. Suas limitações, dificuldades de aprendizagem e inadequações são suas e/ou proporcionadas pelo seu entorno. Graças a isto, uma escola pobre de conteúdos e pobre de espaços lúdicos lhe é oferecida para que se torne uma mão de obra um pouco mais qualificada.

Quando este sujeito ingressa prematuramente no mercado de trabalho, tal tratamento individual é abolido. Agora ele é tratado como classe e não é mais considerado incapaz de "viver para trabalhar", não é considerado incapaz para labutar as imensas jornadas de trabalho, ou de simplesmente reforçar o exército de trabalhadores desempregados que garante ao capital a manutenção dos baixos salários.

As questões de classe social não frequentam uma escola que se contenta em fornecer rudimentos de letras e matemática a sujeitos que se espera, não estarão mais de quatro anos nos seus bancos.

É comum ouvir-se a expressão: "É necessário partir da realidade do aluno." Ou seja, segundo esta visão, não adianta "gastar o latim" com alunos pobres, pois estes não terão condições de "assimilar" a alta cultura. Graças a esta visão redutora, os sujeitos das classes pobres são contemplados com uma escola também pobre em conteúdo, que em muito pouco servirá para mudar seu destino fatalista de classe.

Dificilmente escapará da sina de se tornar um trabalhador desqualificado, assim como foi seu pai, seu avô, etc. A visão de se trabalhar a realidade do aluno esconde no seu âmago toda uma ideologia reprodutiva da segregação de classes e erguimento de barreiras intransponíveis para a sua superação. A escola dos pobres se prepara para fornecer o mínimo necessário para que os filhos dos pobres tenham apenas a instrução suficiente para melhor servir o capital.

Nos nossos tempos está acontecendo um fato curioso. O professor normalmente estava localizado numa classe social mais abastada, era um espectador neutro diante da luta de classe e, portanto, um instrumento útil nas mãos da ideologia dominante na imposição das políticas educacionais. Agora, os professores, devido aos constantes achatamentos salariais, vêem-se cada vez mais próximos das classes sociais mais baixas e acabaram por engajar-se em lutas tão parecidas quanto àquelas em que se encontram os pais dos seus alunos pobres.

Neste contexto, torna-se insuportável para um professor empobrecido a visão de que deve preparar seu aluno para ser aquilo que seu pai sempre foi. Esta crueldade passou a fazer parte do seu dia a dia. Ele vê que nada justifica este determinismo e se prepara para despir a roupagem moral/ideológica que o levava a reproduzir dentro da escola as desigualdades sociais.

COMO FAZER DA ESCOLA CARENTE UMA ESCOLA POSSÍVEL?

Enquanto a escola para os pobres for pobre, será uma utopia a construção de uma escola possível. Miguel Arroyo menciona visitas a escolas rurais e de periferia urbana, onde a miséria das suas instalações físicas e humanas atesta a verdadeira miséria que o estado destina à educação.

Enquanto alunos forem considerados incapazes e os professores "sacerdotes" que devem fazer milagres sem quase dotação nenhuma, a escola marginal continuará à margem do processo de desenvolvimento econômico e tecnológico. A escola para as classes subalternas continua sem prescindir de uma ação forte do estado. Não há milagre que faça triunfar um modelo de escola carente para os carentes.

Por: Isaías Malta, Rosmeri Guerra, Márcia Luchese e Valdirene Spangnolo

Referências:
ARROYO, Miguel G. Da Escola Carente à Escola Possível. 6 ed. Loyola, 2003.
ARROYO, Miguel G. Repolitizar os tratos da infância e adolescência populares. Fundação telefônica. 24/07/2009. Disponível em:  Pró Menino. acesso em 02/10/2010.

Fonte: http://www.teliga.net/2010/10/escola-possivel-de-miguel-arroyo.html

Os Estatutos do Homem

Thiago de Mello


Os Estatutos do Homem (Ato Institucional Permanente)
A Carlos Heitor Cony


Artigo I 
Fica decretado que agora vale a verdade.
agora vale a vida,
e de mãos dadas,
marcharemos todos pela vida verdadeira.

Artigo II 
Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Artigo III 
Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito
a abrir-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde onde cresce a esperança.

Artigo IV 
Fica decretado que o homem
não precisará nunca mais
duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem
como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do céu.

Parágrafo único: 
O homem, confiará no homem
como um menino confia em outro menino.

Artigo V 
Fica decretado que os homens
estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar
a couraça do silêncio
nem a armadura de palavras.
O homem se sentará à mesa
com seu olhar limpo
porque a verdade passará a ser servida
antes da sobremesa.

Artigo VI 
Fica estabelecida, durante dez séculos,
a prática sonhada pelo profeta Isaías,
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos
e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.

Artigo VII
Por decreto irrevogável fica estabelecido
o reinado permanente da justiça e da claridade,
e a alegria será uma bandeira generosa
para sempre desfraldada na alma do povo.

Artigo VIII 
Fica decretado que a maior dor
sempre foi e será sempre
não poder dar-se amor a quem se ama
e saber que é a água
que dá à planta o milagre da flor.

Artigo IX 
Fica permitido que o pão de cada dia
tenha no homem o sinal de seu suor.
Mas que sobretudo tenha
sempre o quente sabor da ternura.

Artigo X 
Fica permitido a qualquer pessoa,
qualquer hora da vida,
uso do traje branco.

Artigo XI 
Fica decretado, por definição,
que o homem é um animal que ama
e que por isso é belo,
muito mais belo que a estrela da manhã.

Artigo XII 
Decreta-se que nada será obrigado
nem proibido,
tudo será permitido,
inclusive brincar com os rinocerontes
e caminhar pelas tardes
com uma imensa begônia na lapela.

Parágrafo único: 
Só uma coisa fica proibida:
amar sem amor.

Artigo XIII 
Fica decretado que o dinheiro
não poderá nunca mais comprar
o sol das manhãs vindouras.
Expulso do grande baú do medo,
o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
para defender o direito de cantar
e a festa do dia que chegou.

Artigo Final. 
Fica proibido o uso da palavra liberdade,
a qual será suprimida dos dicionários
e do pântano enganoso das bocas.
A partir deste instante
a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio,
e a sua morada será sempre
o coração do homem.


Santiago do Chile, abril de 1964 

Resenha: A escola com que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir.

Ao visitar a Escola da Ponte, em Portugal, o educador Rubem Alves deparou-se com a realização daquilo que sempre havia pensado como ideal de educação. Tal foi o deslumbramento decorrente dessa feliz descoberta que da visita nasceu um livro cujo título deixa claro o que o autor sentiu ao conhecer a tal instituição: A escola com que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir.
Todo o texto está envolvido por um excesso de encantamento, resultante da visita de Rubem Alves à Escola da Ponte, em Portugal, em maio de 2000, a convite e pela mão do Centro de formação. O livro reúne textos e seis crônicas, o mais valioso do livro, publicado por Alves no Correio Popular de Campinas e um inédito do autor; o professor Ademar Ferreira dos Santos na qual é responsável pelo prefácio do livro e texto como as lições de uma escola e uma ponte para muito longe. Ele aponta as principais divergências entre o ensino tradicional e a Escola da Ponte, como o fato de, na escola portuguesa, a educação não ser voltada para a competição e de palavras como indisciplinarivalidade e ciúme tornarem-se vazias naquele contexto. O objetivo principal daquela escola é ser um local que consiga tornar as crianças felizes, solidárias e com idéias próprias, características essas bastante desvalorizadas no pensamento utilitarista predominante dos dias atuais, em que quem não é um "vencedor" é descartado. Para Ademar, a Escola da Ponte é uma comunidade educativa, democrática e auto regulada, na qual as crianças são educadas com base na cidadania. Há também um texto do jornalista Fernando Alves que cujo tema é o pássaro no ombro, que se trata da diferença entre a escola da ponte e ensino tradicional e para exemplificar conta à história de pinóquio. Há textos também de Pedro Barbas Albuquerque, José Pacheco e do Centro de Formação Camilo Castelo Branco.
Em seu relato sobre tão marcante experiência, Rubem Alves fala primeiramente dos mestres zen e os chama de estranhos educadores, porque desejavam, onde posso dizer de “desensinar" seus discípulos, a fim de que eles pudessem ver o que nunca tinham visto libertar os olhos dos saberes, tornar infantis os olhares, como o de quem vê algo pela primeira vez. O educador encontrou na Escola da Ponte grande similaridade com tal pensamento. Essa escola está aberta a quem quiser conhecê-la, tanto àqueles que querem aprender com ela quando a seus detratores. Qualquer um que chegue lá para visitar pode, em um primeiro momento, ficar surpreendido com a maneira atípica como a escola funciona: não há aulas, não há turmas separadas, não há testes elaborados por professores, não há sinais sonoros para avisar da troca de aulas e ainda mais os alunos decidem democraticamente as regras e mostram a escola para os visitantes. As crianças elaboram quinzenalmente seus planos de trabalho, através da formação de pequenos grupos heterogêneos com interesses comuns por um assunto, e ficam durante essas duas semanas mergulhadas no estudo. Um professor dá a orientação necessária sobre o que deve ser pesquisado e onde pesquisar, como exemplo a internet que é bastante utilizada e estabelece um programa de trabalho e formas de avaliação. Após esse tempo, os alunos avaliam se atingiram ou não os objetivos de aprendizagem impostos por eles mesmos. Se o aprendizado foi adequado, o grupo se dissolve e outro grupo se forma para estudar um novo tema; se não foi atingido o objetivo, o grupo continua debruçado sobre o mesmo assunto. Em relação ao processo de alfabetização, as crianças aprendem a ler frases inteiras, elaboradas por elas próprias. Há dois quadros de avisos. Em um deles está afixada a frase "Tenho necessidade de ajuda em..."; No outro, está à frase "Posso ajudar em...". Dessa forma, as crianças pedem e oferecem ajuda sobre determinado tema e criam uma rede de solidariedade. Elas pesquisam e aprendem em grupo, as que sabem ensinam às que não sabem.
Os alunos da Escola da Ponte ficam juntos em uma enorme sala de aula, cheia de mesas baixas, próprias para crianças, cada uma trabalhando em seus trabalhos; ninguém corre ou grita. Os professores orientam aqueles que os solicitam. Pelo fato de cada criança ser um indivíduo singular, original, que não pode ser colocado em uma forma, o ritmo de desenvolvimento de cada um se dá de forma diferente. Quando acontece algum problema de disciplina, é montado o tribunal; quem desrespeita as regras de convivência estabelecidas pelos próprios alunos deve comparecer diante do tribunal e tem como pena pensar durante três dias sobre seus atos. Depois retorna para dizer o que pensou. As crianças reclamam seus direitos, como ter bons professores, usar os computadores e escutar música em sala de aula, mas também não deixa de fora seus deveres, como poupar água e manter a sala de aula limpa. Para Rubem Alves, as escolas tradicionais são uma espécies de linha de montagem, em que os operários não sabem construir um objeto completo, apenas pequenas partes que vão se acoplando no decorrer do processo até compor o objeto final. Aquelas unidades que, ao final do processo, não estiverem com uma quantidade de conhecimento determinada são prontamente descartadas. Como as linhas de montagem, as escolas tradicionais se dividem em coordenadas espaciais; as salas de aula e temporais, as séries; cabe aos professores realizar o processo técnico-científico de incutir nos alunos os saberes e habilidades que irão compor o objeto final. Ou seja, a criança é o objeto original que, após ser carregada com vários saberes e habilidades, serão testados, a fim de saber se o seu produto final está apto ao mercado de trabalho. No ensino tradicional, muitas vezes a criança é obrigada a aprender aquilo que não quer. Isso a torna desestimulada, com preguiça de fazer o dever de casa, pois a vida a está chamando para uma direção mais alegre. Isso ocorre muito comumente nas escolas que são obrigadas a cumprir um programa, que passam por cima daquilo que a criança está vivendo. O processo de aprendizagem não deve ser uma coisa imposta, maçante, pode ser algo natural.
Rubem Alves usa a linguagem como exemplo de algo bastante difícil de ser ensinado e aprendido. No entanto, todos a aprendem espontaneamente, sem precisar ter aulas sobre o assunto, muitas coisas aprendem de olhar, de nos interessar ou devido a alguma necessidade. Com muita maestria, Rubem mostra que a educação pode sim encontrar novos caminhos, e para isso nos apresenta a Escola da Ponte, que possui métodos de ensino e aprendizagem simples, mas que revolucionariam a vida de todos, pais professores e principalmente dos educandos. Ao afirmar que deseja uma escola retrógrada, Rubem Alves indica que quer uma escola que vá para trás dos programas científicos elaborados e impostos, uma escola que ensine como os saberes nasceu. Ele faz uma brilhante comparação entre a memória e um escorredor de macarrão, uma vez que ambos deixam passar o que não tem serventia e retém o que vai ser usado. Segundo o autor, é isso que ocorre na Escola da Ponte: a aprendizagem se dá em cima do que vai ser utilizado, isto é, dos pratos que serão saboreados; aquilo que não pode ser apreendido é escorrido como a água do macarrão. Nas escolas tradicionais, os testes, provas e avaliações são aplicados enquanto a água ainda não escorreu; depois, grande parte desses conteúdos vai pelo ralo.
O livro a escola que eu sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir impõe questões de Rubem Alves e ele nós mostra que a educação pode sim encontrar novos caminhos, e para isso apresenta a digníssima Escola da Ponte, que possui métodos de ensino e aprendizagem simples, mas que revolucionariam a vida de todos, na qual apesar de ser professor universitário, Rubem Alves fala do desejo de voltar seu olhar para as crianças, pois nelas está à expressão de assombro, perplexidade, arrebatamento frente ao novo. Os adolescentes estão inseridos na triste lição de que aprender é chato, mas que é necessário para que possam passar no vestibular.

Resumo crítico da obra: A escola com que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir.

Resumo crítico da obra: 
 Nome da obra: A escola com que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir. 
 Autor : Rubem Alves 
 Ano: 2003 
 Editora: Papirus ? 5º Edição 
 Local: Campinas, São Paulo. 
  
A descrição sentimental (não quero dizer aqui, melodramática, mas com ênfase no amor) de uma escola que vive uma comunidade democrática educativa; envolvendo professores e alunos em uma convivência amigável, respeitosa e solidária, onde o importante é compartilhar aprendizados. Este livro faz um convite inovador. Um convite a um redimensionamento do olhar e ver. Sonhar e realizar. Enfocando uma concepção diferente de ensinar (ensinar ou aprender?). Realiza uma crítica construtiva a novas maneiras de aprender, pelo simples prazer de aprender ou realmente buscando o que há de melhor na aprendizagem. Leva a um despertar para uma reflexão crítica que conduza à urgente tarefa de revolucionar o ensino, por meio da extensão dos resultados da pesquisa na educação. O livro fala, de uma escola diferente, inovadora que com certeza é possível. Um lugar onde se buscam ferramentas e soluções em conjunto para uma convivência em grupo, uma comunhão de idéias, uma harmonia de sentimentos, um desenvolver de interesses, uma busca de aprendizagens em forma de pesquisa. Coloca como prioridade valores como a liberdade, a responsabilidade e a solidariedade, vivendo uma educação na cidadania e não para a cidadania. 
Rubem Alves traz uma visão diferente para se alcançar o aprendizado. Desaprender, voltar e ver com os olhos da criança; retroceder e retratar o seu interior, seu reflexo, assinando o que se faz. Um recomeçar a aprender, uma liberdade para um novo aprender. 
O relato da visita de Rubem Alves a uma escola diferente da tradicional _ a Escola da Ponte _ um lugar onde alunos e professores convivem como amigos; onde não há turmas nem aulas convencionais, nem professores para cada disciplina. Lá se compartilham espaços, dividem-se ambientes, somam-se ensinamentos, vive-se em conjunto. Lá, aprende-se autonomia; sendo o ensino um ato de colaboração mútua entre alunos e professores, numa verdadeira expressão de solidariedade. É uma escola pública, onde todos trabalham juntos, aprendem juntos e constroem juntos. Onde existe a integração e a inclusão, onde todos são tratados como iguais: companheiros, trilhando os mesmos caminhos, trabalhando os mesmos assuntos e realizando todas as tarefas sem discriminação. Uma escola que oportuniza vivências que levam a reflexões críticas, questionamentos constantes e principalmente à tomada de decisões com consciência. Avaliar, ali, é um ato de amorosidade; sendo feita através da observação, avaliam valores e atitudes. Preconiza a alegria como instrumento da aprendizagem; a convivência como a mágica da solidariedade, a esperança como fonte de significação. Uma escola onde se realizam sonhos, onde não só o amor é compartilhado, mas o respeito, a compreensão e a liberdade fazem parte da construção da aprendizagem. 
O autor nos remete a um mundo imaginário, apaixonante, onde a arte de dividir o saber é emocionante e criativa. Um sonho realizado, transbordando consciência e que com certeza vai deixar marcas no caminhar da educação. Uma escola ligada ao prazer de apreender, repleta do lúdico, ligada à dança, à música, à poesia, à compreensão dos valores, lidando com as emoções, com as descobertas, buscando através das pesquisas o apreender a ser, a viver e a conviver. Construindo uma sociedade de indivíduos personalizados, participantes, democráticos e com consciência da liberdade e educados na cidadania. 
Uma escola onde aprender é fazer; é viver, pensar, criar, inovar, é dar valor àquilo que se aprende na convivência, expressando a própria vida. Onde aprender tem várias formas. Uma escola onde se aprende a ?ser gente?. Uma escola que pensa, sonha, age e é a própria vida. 



Fonte: http://www.netsaber.com.br/resumos/ver_resumo_c_43188.html

"Poema Pedagógico" de Anton Makarenko

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Um Poema Pedagógico

Recentemente eu li "Poema Pedagógico" de Anton Makarenko (S. Paulo, 2005 _ Editora 34). O livro é resultado do diário pessoal que o autor manteve quando foi diretor de um reformatório ucraniano, a Colônia Gorki, entre 1920 e 1928. Makarenko era um adimirador do celebre escritor russo Máxim Gorki, por isso batizou a colônia com seu nome. Gorki se correspondeu com Makarenko e seus internos por vários anos e chegou a visitar a colônia em 1928.

A história se passa logo após a Revolução Russa e no final da Guerra Civil. Esses dois eventos, somados a Primeira Guerra Mundial , entre 1914 e 1917 e à Guerra contra o Japão, em 1905, deixaram a economia do país praticamente arruinada. Assim que o Governo Revolucionário conseguiu certa estabilidade política tratou de reconstruir o país. Mas não se tratava apenas de reconstruir a economia, a nova ordem econômica e social, baseada no Socialismo, não tinha precedentes na História. Era preciso construir, também, uma nova sociedade, em que o coletivo prevalecesse sobre o individual; em que a ética burguesa da busca do lucro e da ostentação apoiada nas diferenças de classes, desse lugar a uma nova: Operária, camponesa e igualitária. Em que não houvesse exploração de uns sobre os outros e em que todos tivessem acesso as mesmas oportunidades em igualdade de condições. Enfim, era preciso construir um “novo Homem” e essa construção deveria começar pela educação das crianças e dos adolescentes, pelos filhos dos camponeses _ praticamente todos analfabetos como seus pais; pelos filhos dos operários _ com pouca ou nenhuma instrução e pelos menores abandonados; meninos e meninas de rua, boa parte já comprometida com o mundo do crime. Era por estes últimos que o pedagogo Anton Semionóvitch Makarenko, então com 32 anos, deveria começar a por em prática a educação socialista.
Cartaz soviético -Victor Koretsky
Makarenko não tinha nenhuma experiência na educação de menores infratores, nem mesmo os professores, contratados pelo governo revolucionário, tinham qualquer idéia de como educar esses garotos e garotas. A idéia do Departamento de Educação do novo governo era que o sistema capitalista, que imperou na Rússia até a Revolução, era o responsável pelo estado de miséria humana que arrastou essas crianças e adolescentes à criminalidade, ou seja, os menores infratores não deveriam ser considerados criminosos, mas sim, vítimas do sistema às quais era devida uma reparação.
Makarenko
Não demorou muito para Makarenko perceber que os manuais pedagógicos
simplesmente não funcionavam para a sua realidade, e isto porque não previam cobrança, recompensa, estímulo ou punição. Ele chamava os pedagogos de seres do Olimpo, por viverem nas núvens, distantes da realidade, e considerava as teorias pedagógicas vazias, sem possibilidades de aplicação prática. Sem temerem conseqüências ou esperarem qualquer recompensa os internos não tinham nenhum interesse em respeitar as regras da Colônia, muito menos em aprender alguma coisa. Até mesmo a segurança dos educadores ficava comprometida na maioria dessas colônias onde professores e funcionários tinham medo dos colonistas e estes dominavam as instituições, fazendo nelas o que queriam.

Depois de passar uma noite trancado em seu dormitório por medo dos próprios alunos, Makarenko decide trabalhar de modo intuitivo, disciplinar nos moldes dos destacamentos militares, mas flexivel, e sem ficar preso as convenções dos manuais pedagógicos. Não foi nada fácil. No começo os internos reagiram, mas vendo que o diretor estava irredutível alguns aderiram, outros preferiram fugir e passaram a praticar crimes na região. O Departamento de Educação via com preocupação e ressalvas _ e até mesmo com alguma inveja _ o modo como Makarenko dirigia o reformatório e chegou a lhe impor algumas dificuldades, embora ele contasse com a simpatia de algumas pessoas influentes. Makarenko também se questionava muito sobre os resultados da sua metodologia e por várias vezes pensou em desistir, mas decidiu continuar e aprender com os erros. Acabou chegando a conclusão de que não conseguiria educar delinqüentes juvenis se não houvesse cobrança por desempenho nem punição por indisciplina, mas também não adiantaria cobrar disciplina e estudo se não oferecesse nada em troca.

Disciplina, para ele, não era entendida como coerção ou imposição de normas rígidas de conduta, mas como a priorização do coletivo em detrimento do indivídual. Não de qualquer coletivo, mas de um coletivo harmonioso, pois só dentro de um coletivo harmonioso e feliz seria possível frutificar uma ética socialmente saudável. Ao longo de oito anos Anton Makarenko procurou "construir" um ambiente onde os educandos se sentissem parte dele. Era no coletivo que as demandas eram discutidas e providenciadas e era dentro dele que os problemas deveriam ser enfrentados e resolvidos. Os responsáveis por faltas mais graves, como furtos ou vandalismo, eram julgados pelos próprios companheiros numa espécie de assembléia, chamada por ele de Conselho de Comandantes, que decidia se o infrator era culpado, se deveria ser punido e qual a pena. Decisão que era sempre respeitada por ele. Gradativamente, os internos foram se convencendo de que a disciplina e o respeito mútuo revertiam para o bem estar deles próprios.

Câmera fabricada em pelos internos da colônia Dzerzhinsky,
para menores infratores, também dirigida por Makarenko
.
Em poucos anos a colônia se tornou auto-suficiente. Fabricava-se de tudo, o excedente era vendido e o lucro era reinvestido na colônia. Os jovens trabalhavam metade do período e estudavam na outra metade, sendo que o empenho deveria ser satisfatórios nos dois turnos. Não se tratava apenas de trabalhar por trabalhar, havia toda uma filosofia de progresso e crescimento que não se separava da educação. Makarenko não formou fabricantes de cabos de vassouras, mas médicos e aviadores, ainda que também saíssem de sua colônia exímios marceneiros, eletricistas e torneiros. A primeira câmera fotográfica da União Soviética foi fabricada dentro de uma colônia dirigida por ele.

A dificuldade em trabalhar com aqueles jovens levou o autor a tratar educação e instrução como coisas diferentes. “Instruir é educar, mas educar não é, necessariamente, instruir”. Há uma diferença entre educar um ser humano para tornar viável sua vida em sociedade e instruí-lo para a ciência e o trabalho. Era preciso oferecer muito mais que quartos aquecidos, roupas limpas e boa alimentação, os internos precisavam de garantias de que teriam uma vida rica em possibilidades. Depois de muitas reuniões, discussões e quase dois anos de frustrações, Makarenko conseguiu vagas nos cursos superiores para os internos da Colônia Gorki que se destacassem nos estudos. Aos outros, que não ingressassem no ensino superior, ficava garantido um ensino profissionalizante.

Apesar de suas conquistas Makarenko recebia pesadas críticas de pedagogos e do Departamento de Educação que consideravam suas normas de disciplina rígidas demais e também por ele não seguir as orientações pedagógicas. Percebendo que essa indisposição contra ele já estava prejudicando seus colonistas ele pediu demissão do cargo de diretor da Colônia Gorki, passando a se dedicar a colônia Dzerzhinsky onde teve seu trabalho reconhecido .
"Poema Pedagógico" é uma leitura indispensável para quem trabalha na área de educação. Embora o livro trate do universo dos reformatórios soviéticos do início do século XX, e dentro de um contexto bem particular que foi a implantaçao do Socialismo na União Soviética, a experiência transmitida pelo autor pode ser muito útil para professores e educadores de hoje. As personagens juvenis que povoam o livro são tão humanas e complexas quanto qualquer adolescente do século XXI e o mesmo vale para os educadores, na maioria muito bem intencionados, mas sem preparo para lidar com meninos e meninas com tantos problemas e com interesses tão divergentes e contraditórios.

Como pensava Anton Makarenko, em se tratando de educação, principalmente de adolescentes, não existe fórmula pronta, por isso devemos levar em conta que na época em que o livro foi escrito a sociedade soviética, como um todo, estava empenhada na reconstrução do país, o que só seria possível através da educação, e esta era a prioridade número um do governo, que entendia ser a única maneira de consolidar a Revolução e concretizar seus ideais.
Os educadores de hoje enfrentam desafios semelhantes, mas ao contrário de Makarenko não podem contar com o empenho do Estado. O tema Educação esta presente todos os dias na mídia, que se mostra mais preocupada com a falta de mão de obra qualificada do que interessada numa educação de qualidade voltada para a cidadania. E, apesar dos discursos, a educação pública não é prioridade. Jornalistas, Políticos, empresários e economistas são chamados a apontar soluções enquanto os professores, que realmente vivenciam a realidade do sistema, não são ouvidos e assim como Makarenko são o alvo das críticas.
Trechos do livro:
"O mais desagradável dos dialogos é aquele em que o interlecutor que tem o poder para decidir joga com a teoria, acreditando que a teoria determina a realidade".
“Nas ruas, a vida desses pequenos cidadãos transcorre naturalmente e os problemas de sobrevivência são solucionados sem que se recorra à moral e aos princípios tanto prezados pela nossa sociedade, pois não possuem nem tempo, nem costume, nem escrivaninha para ocuparem-se destas coisas. (...) é preciso sobreviver, mantendo-se com força na superfície do globo terrestre, mesmo que para isso seja preciso agarrar-se nas bolsas das senhoras e nas pastas de elegantes cavalheiros.
(...) A vontade dessas crianças a muito fora esmagada pela violência e pelos safanões dos mais velhos. Ao mesmo tempo essas crianças não são nada idiotas; de fato são crianças comuns, colocadas pelo destino numa situação incrivelmente absurda: Por um lado elas estão privadas de todos os beneficios do desenvolvimento humano e, por outro, são excluídas das soluções salvadoras, pela simples razão da sua luta pela sobrevivência. (Makarenko, 2005)

Fonte: http://www.ideiaseensaios.com.br/2008/05/educao.html 

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

O livro das ignorãças, de Manoel de Barros

O livro das ignorãças, de Manoel de Barros


O Livro das Ignorãças
, de Manoel de Barros, publicado em 1994, remete à realidade desconhecida, a um desconhecimento prévio dos conceitos, significados, sentidos. Um livro que guarda a origem das coisas. Desconhecer para conhecer, poderia se dizer, é o tema , portanto, da poética de seu autor, Manoel de Barros. 


A obra é dividida em três partes: 

1. "Uma Didática da Invenção"

Nessa parte da obra, surgem várias questões evidenciando a preocupação de Manoel de Barros quanto as idéias específicas de poesia. Assim, já no primeiro poema do livro, temos a idéia do desaprender, da necessidade que o poeta vê de a poesia enlouquecer a língua, tirando-a dos lugares comuns em que se encontra. Nessa primeira parte há um trajeto claro de fugir à linguagem comum e alcançar uma língua adâmica, original que se aproxime mais da coisa em seu estado bruto, que chegue à "coisidade" da coisa, em seu âmago de coisa mesmo.

No primeiro poema do livro, temos a idéia do desaprender, da necessidade que o poeta vê de a poesia enlouquecer a língua, tirando-a dos lugares comuns em que se encontra:

Desaprender oito horas por dia ensina os princípios.

Invertendo completamente a lógica tradicional, esse verso vê o aprendizado das coisas não no ato de aprender, mas no ato de desaprender. Atente-se para o termo "princípios", que aponta para a questão da origem de que se falou antes. Desaprender, segundo o poeta, permite-nos alcançar os princípios, as origens, o momento anterior às palavras, em que só existem as coisas. Essa mesma idéia parece reger O livro das ignorãças, já que ela é recorrente em vários poemas e também na obra inteira do poeta. No poema de número XVI, há um verso que diz dessa idéia de que só as frases opacas e obscuras, que fogem da linguagem comum, é que interessam, pois são iluminadas:

Há certas frases que se iluminam pelo opaco.

Esse trabalho para "desacostumar as palavras", como diz o próprio poeta, dando-lhe significações novas, inusitadas, antes não concebidas, atravessa todo o livro, resultando em versos que, muitas vezes, nos causam espanto, tal a desconstrução da linguagem, tal o "desacostumamento" da língua que eles acabam por fazer. Já que "desacostumar as palavras" é o trabalho da poesia, e do poeta, Manoel de Barros não hesita em agir assim a todo instante, transformando a sua poesia num jogo de sensações, numa inversão das características dos objetos e num lugar de imagens inesperadas. São vários os exemplos dessas inversões e desse jogo com imagens e sensações:

Como pegar na voz de um peixe (I)

E um sapo engole as auroras. (IV)

Eu escuto a cor dos passarinho. (VII)

Hoje eu desenho o cheiro das árvores. (IX)

Não tem altura o silêncio das pedras. (X)

Poderíamos continuar enumerando ad infinitum exemplos como esse, já que eles elucidam muito da estética de Manoel de Barros. Esses versos alcançam exatamente a sua proposta de poesia, desvestindo as palavras de seus sentidos corriqueiros, de seus significados gastos.

Não é à toa a referência, em vários momentos, à linguagem das crianças, já que elas ainda não aprenderam a totalidade da língua. Lembremos o que diz o poeta em entrevista já citada: "atrás da voz dos poetas moram crianças, bêbados, psicóticos".

A criança, por não Ter ainda tanto contato com a língua, não perdeu a capacidade de brincar com as palavras, o que as torna poetas sem que elas saibam. Se a poesia é enlouquecer as palavra, fazendo-as delirar, as crianças fazem poesia ao falar, como mostra o poema de número VII:

No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá onde a
criança diz: Eu escuto a cor dos passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não funciona
para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um verbo, ele delira.


Mudar a função das palavras está dentro do conceito de poesia desse poeta, pois é assim que elas podem delirar, enlouquecer, tirar a língua da lógica. A figura da criança surge novamente em outros poemas, sempre ligada a essa idéia de ilogismo que a poesia deve buscar. Mais do que o ilogismo, os versos abaixo trazem a questão de coisas que sequer têm nome, sendo estas as preferidas pelas crianças:

As coisas que não têm nome são mais pronunciadas por crianças. (VI)

Ora, como pronunciar nomes que nem existem? É justamente aí, como já viu anteriormente, que reside a poesia de Barros, já que ele busca exatamente aquilo que ainda não recebeu nomes, que ainda não foi aprisionado por definições, por conceitos. Daí sua idéia de chegar às coisas, sem intermédio da língua, tentando tocar na coisa mesma, em sua origem, sem palavras se interpondo entre o poeta e a matéria de sua poesia. Muitas vezes, Manoel fala mesmo de ser as coisas, que ultrapassa o simples tocar as coisas, ou, ultrapassando mais ainda, o falar das coisas. O poema de número IX trata desse ser a coisa:

Para entrar em estado de árvore é preciso partir de
um torpor animal de lagarto às três horas da tarde,
no mês de agosto.
Em dois anos a inércia e o mato vão crescer em
nossa boca.
Sofreremos alguma decomposição lírica até o mato
sair na voz.


Esse poema é quase um ensinamento de como se tornar uma coisa, nesse caso uma árvore. O processo de ser uma árvore só se completa quando os galhos nascem do próprio corpo, saindo da voz. Isso não é apenas falar da coisa ou tocar a coisa, mas tornar-se a coisa, ser a coisa em seu estado mesmo.

Na obra também há a proposta de, além de tornar-se coisa, "desacostumar as coisas", assim como se deve "desacostumar as palavras". Do mesmo modo que se deve livrar as palavras de seu estado normal, fazendo-as delirar, há também a necessidade de livrar as coisas de sua utilidade usual, tirando-as do uso que elas têm no dia-a-dia. É o que o poeta chama de "desinventar objetos" (poema II):

Desinventar objetos. O pente, por exemplo.
Dar ao pente funções de não pentear. Até que
ele fique à disposição de ser uma begônia. Ou uma gravanha.
Usar algumas palavras que ainda não tenham idioma.


Percebe-se que essa necessidade de desacostumar as coisas caminha junto com a de desacostumar as palavras. O último verso, que fala das palavras, vem logo depois dos versos que tratam das coisas, sendo que todos dizem sobre o mesmo ponto: desinventar coisas e palavras, tornado-os novos, sem sentido pronto, sem definição. Não definir é deixar soltar as palavras e as coisas, é deixá-las simplesmente ser, sem que haja nomes para aprisioná-las num mundo de conceitos, que se tornam cada vez mais gastos e pobres.

Essa idéia da não-definição é muito bem trabalhado no belo poema de número XIX, em que pensa no empobrecimento de uma bela imagem originado por uma definição utilizada para conceituá-la.

O rio que fazia uma volta atrás de nossa cara era a
imagem de um vidro mole que fazia uma volta atrás de casa.
Passou um homem depois e disse: Essa volta que o
rio faz por trás de sua casa se ???chama enseada.
Não era mais a imagem de uma cobra de vidro que
fazia uma volta atrás de casa.
Era uma enseada.
Acho que o nome empobreceu a imagem.


A substituição de uma bela imagem criada a partir de um rio foi completamente empobrecida por uma definição geográfica. A poesia da imagem foi rompida pela precisão e redução de um conceito, que nada diz sobre a coisa em si. Assim, percebe-se que a poesia nada tem a ver com definições, levando ser vista com olhos menos pragmáticos, menos reduzidos pela prática e pela precisão a que o mundo nos obriga. É o que mostra a poema de número XIII:

As coisas não querem mais ser vistas por pessoas razoáveis:
Elas desejam ser olhadas de azul –
Que nem uma criança que você olha de ave.


É justamente o olhar de pessoas razoáveis – entenda-se, por pessoas razoáveis, pessoas comuns – que acabam com a poesia das coisas. O olhar comum sobre as coisas não consegue ver nelas qualquer poesia, acabando por enxergar apenas definições e palavras com seus sentidos convencionais, pobres.

Assim, na primeira parte de O livro das ignorãças, há um trajeto claro de fugir à linguagem comum e alcançar uma língua adâmica, original que se aproxime mais da coisa em seu estado bruto, que chegue à "coisidade" da coisa, ao é da coisa, em seu âmago de coisa mesmo.

2. "Os Deslimites da Palavra"

Aqui o poeta inventa uma lenda e escreve a partir dela: um tal canoeiro Apuleio, que teria passado três dias e três noites navegando sobre as águas de uma enchente ocorrida em 1922, sem comer nem dormir, registra em um caderno, a partir dessa experiência, amontoados de frases desconexas. Tempos depois, o poeta encontra esse caderno e tenta "desarrumar as frases", de modo que elas se tornem poesia, apesar de, em si, elas já serem poesia, pois, como diz o poeta, "nesse caderno, o canoeiro voou fora da asa", provocou "uma ruptura com a normalidade", ou seja, escreveu fora da língua comum, fazendo poesia.

Essa segunda parte, "Os deslimites da palavra", não foge a esse projeto de linguagem. Aqui o poeta inventa uma lenda e escreve a partir dela: um tal canoeiro Apuleio, que teria passado três dias e três noites navegando sobre as águas de uma enchente ocorrida em 1922, sem comer nem dormir, registra em um caderno, a partir dessa experiência, amontoados de frases desconexas. Tempos depois, o poeta encontra esse caderno e tenta "desarrumar as frases", de modo que elas se tornem poesia, apesar de, em si, elas já serem poesia, pois, como diz o poeta, "nesse caderno, o canoeiro voou fora da asa", provocou "uma ruptura com a normalidade", ou seja, escreveu fora da língua comum, fazendo poesia.

O resultado do encontro entre as frases do canoeiro, que escreveu fora da normalidade, com o poeta, que também só escreve fora do comum, é uma desarrumação completa dos padrões, um "desacostumamento" radical. Como diz o poema 2.1, primeiro do segundo dia de enchente:

Não oblitero moscas com palavras.
Uma espécie de canto me ocasiona.
Respeito as oralidades.
Eu escrevo o rumar das palavras.
Não sou sandeu de gramáticas.


Novamente, o que se tem é a questão da supremacia da coisa sobre a palavra: "Não oblitero moscas com palavras." Usar palavras para falar das moscas é uma rasura das moscas, um apagamento, já que se deve chegar à mosca mesmo, e não somente falar dela.

A referência às "oralidades" também é uma fuga à normalidade da língua, já que a fala, a língua oral, apresenta uma série de desvios em relação à linguagem padrão, daí o poeta/canoeiro dizer que não é tolo (sandeu) de ficar seguindo gramáticas, de respeitar a língua imposta por elas. Por isso, o que ele escreve não são as palavras, mas o seu rumor: apenas o som, não o sentido. Escrever apenas o rumor das palavras, sem dar-lhes significado, as aproxima de coisas, de objetos que podem ser quase tocados.

O próprio nome dessa parte do livro já aponta para essas idéias, pois o poeta escreve além dos limites da palavra, ele atinge seus delimites, ele toca o que está fora da linguagem, o que se situa além das fronteiras que a língua nos impõe. Não se deixar submeter pelos limites da língua é o que faz o poeta/canoeiro ao longo de toda essa parte. Um passeio pelos poemas nos mostra isso de forma evidente:

Ontem choveu no futuro. (1.1)
Estas águas não têm lado de lá. (1.1)
Os nomes já vêm com unha? (1.2)
A chuva atravessou um pato pelo meio (1.6)
A chuva deformou a cor das horas. (1.6)
Um besouro se agita no sangue do poente. (2.4)
O acaso me ampliou para formiga. (2.7)
Uma sabiá me aleluia. (3.6)


O efeito de versos como esses é um grande estranhamento, pois eles fazem a língua delirar em todos os sentidos. A sintaxe delira, os termos mudam de categorias, substantivos ganham qualidades inusitadas, gerando um sentido completamente novo, totalmente "desacostumado". 

A questão da origem, de que já se falou anteriormente, surge de maneira marcante.

A enchente que leva o canoeiro a navegar três dias seguinte remete evidentemente ao dilúvio bíblico, texto que trata das origens, por excelência. As imagens de origem são semeadas ao longo dessa segunda parte, sendo as principais o ovo, a água (elemento sempre ligado à origem), o limo (espécie de lama, de lodo, ambiente úmido que sempre remete a uma origem), assim como bichos que lembram as coisas do chão, que se ligam diretamente a um universo mais primitivo, mais telúrico, muitas vezes aquático – lagarto, formiga, coruja, peixe, besouro, vaga-lume, osga (espécie de réptil), aranha, rã, cágado.

Todos esses bichos são diretamente ligados a um mesmo universo mais remoto, às vezes "sujo", viscoso, ou, no mínimo, obscuro, das trevas, silencioso.

Essa idéia do "sujo" também surge mais explicitamente, não só na Segunda como também na primeira parte do livro, já que os ambientes úmidos, primitivos, pantanosos têm uma aparência (e só aparência) de imundície, sendo lugares orgânicos por excelência.

3. "Mundo Pequeno". 

Nesta terceira parte, "Mundo pequeno", o autor traz as mesmas questões eleitas por Manoel de Barros, sendo que o primeiro poema já rompe com a gramática da língua, conforme já vimos em outros poemas. Nos versos seguintes, os substantivos transformam-se em verbos.

Traz também as mesmas questões eleitas por Manoel de Barros, sendo que o primeiro poema já rompe com a gramática da língua, conforme já vimos em outros poemas. Nos versos seguintes, os substantivos transformam-se em verbos:

Quando o rio está começando um peixe,
Ele me coisa
Ele me rã
Ele me árvore.
De tarde um velho tocará sua flauta para inverter os ocasos.


Coisa, rã e árvore, que, gramaticalmente, são substantivos, tornam-se verbos, mostrando um desrespeito do poeta pelas regras gramaticais. O verso final aponta para essa inversão de categorias, representada pela figura do velho que, com sua flauta, inverte os ocasos, assim como o poeta inverte a língua.

A busca pela coisa é, mais uma vez, objeto de poesia, propositalmente no poema que encerra o livro (XIV), antes do "Auto-retrato falado": "Todas as minhas palavras já estavam consagradas de pedras". Esse verso parece apontar para um fim de trajeto, em que as palavras foram sendo desvestidas de seus significados até chegarem ao estado de coisa, de pedra.

Os versos seguintes a esse elucidam ainda mais essa idéia:

Não era mais a denúncia das palavras que me
importava mas a parte selvagem delas, os seus
refolhos, as suas entraduras.
Foi então que comecei a lecionar andorinhas.


A busca do poeta é pela "parte selvagem" das palavras, pelas suas reentrâncias, o que a aproxima de uma árvore, de uma pedra, de um bicho. No fim, não se lecionam palavras, mas andorinhas, ou seja, ao invés de o poeta mostrar as coisas através de palavras, ele as mostra através delas mesmas, alcançando, como já se disse, a "coisidade" da coisa, a coisa em si mesma.

Essas idéias se repetem, mais uma vez, com a imagem da árvore, tão presente na poesia de Barros, fazendo com que as pessoas se transfigurem em árvores: "Bernardo é quase árvore." (XII), "Estou atravessando um período de árvore." (XIII), ou o já citado "Ele me árvore." (I).

A recusa a definições ressurge, como no poema III, em que se fala de um vaqueiro, de um "peão de campo:"

Gostava de desnomear:
Para de falar barranco dizia: lugar onde avestruz esbarra.
Rede era vasilha de dormir.
Traços de letras que um dia encontrou nas pedras de
uma gruta, chamou: desenhos de uma voz.
Penso que fosse um escorço de poeta.


O peão do poema faz poesia sem que saiba. A sua recusa em definir, em conceituar, ou, mais do que recusa, a sua ignorância dos conceitos, faz dele um poeta, no sentido que Manoel de Barros dá à poesia. Ao contrário do homem que chamou de "enseada" a imagem do rio que passa por detrás da casa, o peão não conceitua, ele cria imagens a partir das próprias coisas, não a partir de conceitos, criando, assim, belas imagens poéticas.

Em O livro das Ignorãças, também há a proposta de, além de tornar-se coisa, "desacostumar as coisas", assim como se deve "desacostumar as palavras". Do mesmo modo que se deve livrar as palavras de seu estado normal, fazendo-as delirar, há também a necessidade de livrar as coisas de sua utilidade usual, tirando-as do uso que elas têm no dia-a-dia. É o que o poeta chama de "desinventar objetos.

Sob a aparência surrealista, a poesia de Manoel de Barros é de uma enorme racionalidade. Suas visões, oníricas num primeiro instante, logo se revelam muito reais, sem fugir a um substrato ético muito profundo.

Assim, esse é o percurso da poesia de Manoel de Barros: da palavra à coisa, do ser à natureza, do agora ao original, dá página à pedra. O peão do poema pode ser visto como um duplo do poeta, como uma extensão sua, já que é dessa maneira que o poeta tenta fazer poesia: partindo das coisas, dos bichos, das pedras, de um universo primeiro, situado nas origens: Assim é que o poeta pode "voar fora da casa", pode alcançar os deslimites da palavra, o além da linguagem, o cerne das coisas – sua matéria é, enfim, o que escapa à expressão por meio de palavras.

Poema escolhido

Mundo Pequeno

I

O mundo meu é pequeno, Senhor.
Tem um rio e um pouco de árvores.
Nossa casa foi feita de costas para o rio.
Formigas recortam roseiras da avó.
Nos fundos do quintal há um menino e suas latas
maravilhosas.
Todas as coisas deste lugar já estão comprometidas
com aves.
Aqui, se o horizonte enrubesce um pouco, os
besouros pensam que estão no incêndio.
Quando o rio está começando um peixe,
Ele me coisa
Ele me rã
Ele me árvore.
De tarde um velho tocará sua flauta para inverter
os ocasos.


II

Conheço de palma os dementes de rio.
Fui amigo do Bugre Felisdônio, de Ignácio Rayzama
e de Rogaciano.
Todos catavam pregos na beira do rio para enfiar
no horizonte.
Um dia encontrei Felisdônio comendo papel nas ruas
de Corumbá. Me disse que as coisas que não existem são mais
bonitas.


IV

Caçador, nos barrancos, de rãs entardecidas,
Sombra-Boa entardece. Caminha sobre estratos
de um mar extinto. Caminha sobre as conchas
dos caracóis da terra. Certa vez encontrou uma
voz sem boca. Era uma voz pequena e azul. Não
tinha boca mesmo. "Sonora voz de uma concha",
ele disse. Sombra-Boa ainda ouve nestes lugares
conversamentos de gaivotas. E passam navios
caranguejeiros por ele, carregados de lodo.
Sombra-Boa tem hora que entra em pura
decomposição lírica: "Aromas de tomilhos dementam
cigarras." Conversava em Guató, em Português, e em
Pássaro.
Me disse em Língua-pássaro: "Anhumas premunem
mulheres grávidas, 3 dias antes do inturgescer".
Sombra-Boa ainda fala de suas descobertas:
"Borboletas de franjas amarelas são fascinadas
por dejectos." Foi sempre um ente abençoado a
garças. Nascera engrandecido de nadezas.


VI

Descobri aos 13 anos que o que me dava prazer nas
leituras não era a beleza das frases, mas a doença
delas.
Comuniquei ao Padre Ezequiel, um meu Preceptor,
esse gosto esquisito.
Eu pensava que fosse um sujeito escaleno.
- Gostar de fazer defeitos na frase é muito saudável,
o Padre me disse.
Ele fez um limpamento em meus receios.
O Padre falou ainda: Manoel, isso não é doença,
pode muito que você carregue para o resto da vida
um certo gosto por nadas...
E se riu.
Você não é de bugre? - ele continuou.
Que sim, eu respondi.
Veja que bugre só pega por desvios, não anda em
estradas -
Pois é nos desvios que encontra as melhores surpresas
e os ariticuns maduros.
Há que apenas saber errar bem o seu idioma.
Esse Padre Ezequiel foi o meu primeiro professor de
gramática.


VII

Toda vez que encontro uma parede
ela me entrega às suas lesmas.
Não sei se isso é uma repetição de mim ou das
lesmas.
Não sei se isso é uma repetição das paredes ou
de mim.
Estarei incluído nas lesmas ou nas paredes?
Parece que lesma só é uma divulgação de mim.
Penso que dentro de minha casca
não tem um bicho:
Tem um silêncio feroz.
Estico a timidez da minha lesma até gozar na pedra.



Fonte: http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/resumos_comentarios/o/o_livro_das_ignoracas

Quem é Manoel de Barros? Ver biografia: http://www.jornaldepoesia.jor.br/manu.html