domingo, 19 de fevereiro de 2012

Jogos de Empresas e o Ciclo da Aprendizagem Vivencial (CAV)

Os Jogos de empresas são desenvolvidos em um ambiente empresarial simulado, com um determinado número de empresas (equipes), que visa retratar a realidade complexa do mercado. Os modelos normalmente abrangem algumas variáveis e restringem outras, sendo que os participantes tomam decisões a partir de relatórios e informações disponíveis, como balanços patrimoniais, demonstrativos de fluxos de caixa, demonstrativos de resultado, planos de gestão e relatórios periódicos. Dessa forma, os participantes, na posição de gestores de uma empresa fictícia, precisam ser capazes de transformar os dados disponíveis em informações úteis para a tomada de decisão (SAUAIA, 1995).
De acordo com Li e Baillie (1993), o primeiro simulador utilizado com administradores foi desenvolvido pela American Management Association em meados da década de 1950 e no mesmo ano, a Universidade de Washington iniciou o uso do simulador chamado TOP MAN, desenvolvido por Schrieber. No Brasil, as pesquisas com a utilização de jogos de empresas iniciaram na década de 70, com os trabalhos de Goldshmidt (1977), Tanabe (1973) e Warschauer (1977). Na década de 80 o Programa de Pós-graduação em Engenharia de Produção da Universidade Federal de Santa Catarina iniciou um centro de desenvolvimento de jogos para aplicações em educação e pesquisa (LOPES, 2001), facilitado, em grande parte, pelo desenvolvimento dos computadores pessoais e da microinformática em geral (MENDES, 2000). Na Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo foram desenvolvidas quatro pesquisas acadêmicas no programa de pós-graduação stricto sensu, importantes para o desenvolvimento do tema, a saber: as pesquisas de Beppu (1984), Martinelli (1987), Sauaia (1990) e Sauaia (1995). Contudo, a utilização dos jogos de empresas no Brasil ainda é incipiente, quando comparada com a utilização nos Estados Unidos (SAUAIA, 1995).

As decisões tomadas pelos participantes são inseridas em um programa de computador (simulador), devidamente parametrizado em termos de crescimento da economia, sazonalidade e outras variáveis, perfazendo diferentes cenários econômicos, que são normalmente definidos pelo facilitador. Os resultados de cada período (rodada de jogo) se tornam novos dados para tomadas de decisões subsequentes dos participantes, os quais precisam reavaliar suas estratégias a cada período. O número de rodadas (duração do jogo) é definido pelo facilitador, com base na carga horária do curso (ROSAS; SAUAIA, 2006).

Goldschmidt (1977) afirma que “o jogo de empresas se aproxima de um estudo de caso, onde adicionamos duas variáveis: uma é o feedback – o retorno das informações; a outra é a dimensão temporal que, geralmente, os casos não têm” (GOLDSCHMIDT, 1977, p. 43). Essa diferença ilustra as principais vantagens de utilização dos jogos de empresas no processo de ensino-aprendizagem em gestão: a capacidade de observar as conseqüências de suas decisões e a possibilidade de se aprender com os erros. Li e Baillie (1993) ainda apontam o grande estímulo à participação dos alunos como outra vantagem da aplicação de jogos de empresas. Entretanto Sauaia (2006) demonstra que a abordagem dos jogos não auxilia a aquisição de conhecimento teórico e aplicado, havendo ainda a possibilidade de se obter um bom desempenho no jogo pela sorte (LI; BAILLIE, 1993).

A escolha de se trabalhar com jogos de empresas é baseada, sobretudo, em princípios da aprendizagem vivencial. Segundo Kolb (1984), a aprendizagem vivencial considera o aprendizado como um processo, no qual o conhecimento é produzido por meio da transformação da experiência. Dessa forma, é possível se extrair três aspectos fundamentais da aprendizagem vivencial. Inicialmente, observa-se uma ênfase no processo e na aprendizagem, em oposição à ênfase no conteúdo e no resultado, característicos do ensino tradicional. Segundo, o conhecimento é visto como um processo de transformação que é continuamente criado e recriado, ao invés de um produto acabado que deve ser adquirido ou transmitido. Finalmente, a aprendizagem vivencial reconhece que os indivíduos aprendem de diferentes formas e respondem distintamente a um mesmo estímulo (KOLB, 1984; THORELLI, 2001; PEREIRA, 2005).

Para Kolb (1984), há quatro capacidades básicas que o aprendiz precisa dispor para efetivar seu aprendizado. Tais capacidades se organizam em quatro fases, descritas a seguir e que compõem o Ciclo da Aprendizagem Vivencial ou Ciclo de Kolb (Figura 1):
a)     Experiência Concreta, que é a orientação, cujo enfoque reside no envolvimento com experiências e no tratamento de questões humanas. Enfatiza o sentir em oposição ao pensar e interessa-se por questões particulares ao invés de generalizações.
b)    Observação Reflexiva, cujo fim é a compreensão, por intermédio da observação e descrição cuidadosa e imparcial, do significado das ideias e dos fatos. Privilegia refletir em oposição ao agir e interessa-se na verdade absoluta ou em como as coisas são ao invés do seu funcionamento.
c)     Conceituação Abstrata, cujo enfoque está no uso da lógica, das ideias e dos conceitos. Privilegia o pensar em oposição ao sentir e interessa-se por teorias gerais ao invés de questões particulares.
d)    Experimentação Ativa que é a orientação onde o foco está em influenciar ativamente as pessoas e mudar as situações. Enfatiza o agir em oposição ao refletir e interessa-se pragmaticamente no que deve ser feito ao invés da busca pela verdade absoluta.

Para a construção deste modelo quadrifásico, Kolb (1984) parte do princípio de que a aprendizagem pode ser entendida como um processo bidimensional. A primeira dimensão relaciona-se com a percepção da informação e a segunda com o processamento dela. Dessa forma, os extremos docontinuum que representa a dimensão da percepção são formados pelos termos sentir e pensar. Já os extremos que representam a dimensão processamento são formados pelas expressões refletir e agir. Essa estrutura bidimensional e quadrifásica está representada na Figura 1.

Figura 1: Ciclo da Aprendizagem Vivencial e as formas de conhecimento relacionadas
Ciclo da Aprendizagem Vivencial 
Fonte: Adaptado de Kolb (1984)

Sauaia (2008) apresenta uma sugestão para a aplicação dos jogos de empresas, obedecendo às fases do Ciclo de Kolb (1984). Dessa forma, as regras econômicas do simulador e a materialização da experiência através da tomada de decisões inicial, representariam a experiência concreta. A observação reflexiva seria representada pela análise dos resultados e a observação dos desvios entre as metas planejadas e realizadas. Uma sessão de debates sobre os diversos desempenhos da turma pode levar à compreensão dos resultados, a partir de uma revisão conceitual dos modelos teóricos, o que se caracterizaria como a fase de Conceituação Abstrata. E, completando o ciclo, a experimentação ativa seria representada pela adaptação do rumo das decisões, face aos resultados obtidos.

Tem-se, entretanto, que atividades como essa exigem posturas diferenciadas de professor e aluno. Este passa de um papel secundário, de recipiente passivo para participante ativo do processo, o que nem sempre é habitual para o aluno, ocasionando, por vezes um estranhamento. Há um processo de desenvolvimento da autonomia do estudante, que passa a ter responsabilidade direta sobre o seu aprendizado.

De acordo com Sauaia (1995), na aprendizagem vivencial, o professor deixa de ser o centro do processo, que passa a ser o educando. O trabalho em grupo prevalece sobre o trabalho eminentemente expositivo do “ensino tradicional”. Os participantes sentem-se motivados, em um ambiente que os desafia e que ao mesmo tempo os acolhe, combinando momentos de disputa e de cooperação. Isto facilita um maior envolvimento dos participantes na busca da aprendizagem.

O quadro 1 sintetiza as principais diferenças entre o “ensino tradicional” e a abordagem de aprendizagem vivencial.

Quadro 1: Comparativo de parâmetros educacionais
Parâmetros educacionais
Ensino tradicional
Aprendizagem vivencial
Orientação didática
Ensino
Aprendizagem
Personagem central
Educador
Educando
Conteúdos trabalhados
Do educador
Do educando
Envolvimento do educador
Alto
Baixo
Envolvimento do educando
Baixo
Alto
Atitude que orienta
Quero ensinar
Quero aprender
Técnica usual
Expositiva
Trabalho em grupo
Tipo de aprendizagem
Cognitiva
Cognitiva, afetiva, cooperativa, atitudinal e comportamental
Áreas trabalhadas
Cérebro
Todo o indivíduo
Aplicações de conceitos
Teórica
Prática
Objetivos educacionais
Gerais e coletivos
Específicos e individualizados
Avaliador da aprendizagem
Educador
Educando
Andamento da aula
Estímulos do educador
Motivos do educando
Ambiente criado
Competitivo
Competitivo e cooperativo
Fonte: Sauaia (1995).

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