segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

A profissão de professor não é um ato solitário, é um ato solidário"

Desde a primeira vez que vi o título do livro, fiquei entusiasmada para "ouvir" aquela história. Identifiquei-me de tal maneira com o título, que foi mesmo aquela sensação de se deixar levar pela aparência ou gostar do livro pela capa. 

A leitura foi tão emocionada, tão ansiosa, que me aprofundei naquela realidade e queria muito conhecê-la pessoalmente. Nunca tive sorte de ir à Escola da Ponte, mesmo já tendo ido a Portugal. Mas eu vou um dia. 

A escola com que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir, de Rubem Alves, é um daqueles livros para se ler a vida toda - livro de cabeceira. Não é um livro só para pessoas que trabalham diretamente com Educação. É um livro que toca todos os que um dia passaram pelos bancos escolares. É um livro que fala de desaprender, porque esse é o principal objetivo daquela escolinha portuguesa. 

O idealizador da Escola da Ponte, José Pacheco, hoje mora no Brasil, no interior de Minas Gerais, e vive a passear pelos eventos de Educação do país a falar sobre a famosa escola que criou na Vila das Aves, no Porto, em Portugal. 

A Gazeta do Povo, na série Entrevistas - pequenas e grandes histórias de quem tem o que dizer, reproduziu entrevista do Zé, como ele gosta de ser chamado, dada no Teatro Guaíra, em Curitiba - PR, no Seminário Ler e Pensar. Segundo Zé, ele não participa desses eventos como palestrante, pois dando palestra "digo sempre o que já sei dizer". Ele prefere ser entrevistado. Eis alguns trechos.


[A Escola da Ponte] é diferente porque mostrou que os professores são capazes de se emancipar. Quando comecei a trabalhar, ainda estávamos na ditadura de Salazar e eu tinha um salário indigno. Precisava trabalhar numa escola de manhã, noutra à tarde, fazer à noite educação de adultos. Mas na Ponte nós não nos resignamos. Fizemos acontecer. Vejo movimento semelhante no Brasil. Para mudar é preciso pensar por sua cabeça e juntar-se com outros, porque ninguém se salva sozinho. A profissão de professor não é um ato solitário, é um ato solidário.
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Vamos para a educação por duas razões: por amor ou por vingança. [risos] Eu fui por vingança, mas fiquei por amor. Não consegui me vingar. Vingar do quê? Fui aluno de escola pública, excluído e humilhado. Jurei que nenhum aluno meu passaria pelo mesmo. E não conseguia isso. Não entendia como é que eu dava aulas tão bem dadas e eles não aprendiam. Até que na Escola da Ponte me pediram para ficar com a “Turma do Lixo”. Era assim que chamavam alunos de 14-15 anos que batiam nas professoras a ponto de elas irem parar no hospital.
Entrei na sala e perguntei quem sabia ler. Riram. E como a professora tentava lhes ensinar. Disseram que lhes mostrava o “a” de água, o “e” de égua, o “i” de ilha, o ”o” de ovos e o “u” de uva. Que faziam ondinhas do mar com os “ês”. Pus a mão na cabeça e pensei “Zé Pacheco, tu ensinas assim”. [risos] Por isso é que não aprendem.” Foi o primeiro grande clarão.
Descobri que aqueles jovens sabiam ler, mas não sabiam que sabiam. Explico. Eles não tinham dificuldade de aprendizagem. Eu é que tinha dificuldade de ensinagem, porque só sabia ensinar de uma maneira. 
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[O Zé diante dos professores]
Pergunto se estão dispostos a recomeçar. Se estão, recomendo que leiam os pilares da Unesco. Eles descobrem que o “aprender a conhecer” não acontece, pois há 14 milhões de analfabetos funcionais. Leem o “aprender a fazer”, o “aprender a ser”, o “apren­­der a conviver”, mas lembram que professores são assassinados, que há o bullying e xingamento nas escolas.
Depois oferecemos a eles, caso queiram, os grandes pilares da Ponte: tem o “recomeçar” e o “aprender a desaparecer”. [risos] Se o professor não é autônomo como pode ensinar autonomia? Professor não ensina aquilo que diz. Professor transmite aquilo que é. [aplausos]
Temos também de “aprender a desaprender”. Um aluno me perguntava: “Professor, um ser vivo é aquele que nasce, cresce, reproduz-se e morre?” Era o que lhe ensinava o livro didático. Se era assim, ele não se via como um ser vivo. “Não me reproduzi nem morri”, disse-me. [risos]
A última dica é “aprender a desobedecer”. A maioria das leis da educação está errada e contribui para o analfabetismo e para a infelicidade.
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[Sobre a sociedade violenta e a educação]
O que se pode fazer? Tudo, menos o que vejo. Aumenta-se a vigilância, câmaras, castigo. Nada resolve. Nin­­guém nasce violento. Diz-se das águas dos rios que são violentas. Nada se diz das margens que a comprimem. É de Bertolt Brecht. Se mantivermos esse modelo, a violência de fora torna-se a violência simbólica da escola. Desculpem a arrogância, mas hierarquia não rima com pedagogia. Para conter a violência, teremos de mudar a organização da escola e responsabilizar a comunidade. É preciso uma tribo para educar uma criança.

Lê-se o texto completo aqui.

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