quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Resenha: A escola com que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir.

Ao visitar a Escola da Ponte, em Portugal, o educador Rubem Alves deparou-se com a realização daquilo que sempre havia pensado como ideal de educação. Tal foi o deslumbramento decorrente dessa feliz descoberta que da visita nasceu um livro cujo título deixa claro o que o autor sentiu ao conhecer a tal instituição: A escola com que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir.
Todo o texto está envolvido por um excesso de encantamento, resultante da visita de Rubem Alves à Escola da Ponte, em Portugal, em maio de 2000, a convite e pela mão do Centro de formação. O livro reúne textos e seis crônicas, o mais valioso do livro, publicado por Alves no Correio Popular de Campinas e um inédito do autor; o professor Ademar Ferreira dos Santos na qual é responsável pelo prefácio do livro e texto como as lições de uma escola e uma ponte para muito longe. Ele aponta as principais divergências entre o ensino tradicional e a Escola da Ponte, como o fato de, na escola portuguesa, a educação não ser voltada para a competição e de palavras como indisciplinarivalidade e ciúme tornarem-se vazias naquele contexto. O objetivo principal daquela escola é ser um local que consiga tornar as crianças felizes, solidárias e com idéias próprias, características essas bastante desvalorizadas no pensamento utilitarista predominante dos dias atuais, em que quem não é um "vencedor" é descartado. Para Ademar, a Escola da Ponte é uma comunidade educativa, democrática e auto regulada, na qual as crianças são educadas com base na cidadania. Há também um texto do jornalista Fernando Alves que cujo tema é o pássaro no ombro, que se trata da diferença entre a escola da ponte e ensino tradicional e para exemplificar conta à história de pinóquio. Há textos também de Pedro Barbas Albuquerque, José Pacheco e do Centro de Formação Camilo Castelo Branco.
Em seu relato sobre tão marcante experiência, Rubem Alves fala primeiramente dos mestres zen e os chama de estranhos educadores, porque desejavam, onde posso dizer de “desensinar" seus discípulos, a fim de que eles pudessem ver o que nunca tinham visto libertar os olhos dos saberes, tornar infantis os olhares, como o de quem vê algo pela primeira vez. O educador encontrou na Escola da Ponte grande similaridade com tal pensamento. Essa escola está aberta a quem quiser conhecê-la, tanto àqueles que querem aprender com ela quando a seus detratores. Qualquer um que chegue lá para visitar pode, em um primeiro momento, ficar surpreendido com a maneira atípica como a escola funciona: não há aulas, não há turmas separadas, não há testes elaborados por professores, não há sinais sonoros para avisar da troca de aulas e ainda mais os alunos decidem democraticamente as regras e mostram a escola para os visitantes. As crianças elaboram quinzenalmente seus planos de trabalho, através da formação de pequenos grupos heterogêneos com interesses comuns por um assunto, e ficam durante essas duas semanas mergulhadas no estudo. Um professor dá a orientação necessária sobre o que deve ser pesquisado e onde pesquisar, como exemplo a internet que é bastante utilizada e estabelece um programa de trabalho e formas de avaliação. Após esse tempo, os alunos avaliam se atingiram ou não os objetivos de aprendizagem impostos por eles mesmos. Se o aprendizado foi adequado, o grupo se dissolve e outro grupo se forma para estudar um novo tema; se não foi atingido o objetivo, o grupo continua debruçado sobre o mesmo assunto. Em relação ao processo de alfabetização, as crianças aprendem a ler frases inteiras, elaboradas por elas próprias. Há dois quadros de avisos. Em um deles está afixada a frase "Tenho necessidade de ajuda em..."; No outro, está à frase "Posso ajudar em...". Dessa forma, as crianças pedem e oferecem ajuda sobre determinado tema e criam uma rede de solidariedade. Elas pesquisam e aprendem em grupo, as que sabem ensinam às que não sabem.
Os alunos da Escola da Ponte ficam juntos em uma enorme sala de aula, cheia de mesas baixas, próprias para crianças, cada uma trabalhando em seus trabalhos; ninguém corre ou grita. Os professores orientam aqueles que os solicitam. Pelo fato de cada criança ser um indivíduo singular, original, que não pode ser colocado em uma forma, o ritmo de desenvolvimento de cada um se dá de forma diferente. Quando acontece algum problema de disciplina, é montado o tribunal; quem desrespeita as regras de convivência estabelecidas pelos próprios alunos deve comparecer diante do tribunal e tem como pena pensar durante três dias sobre seus atos. Depois retorna para dizer o que pensou. As crianças reclamam seus direitos, como ter bons professores, usar os computadores e escutar música em sala de aula, mas também não deixa de fora seus deveres, como poupar água e manter a sala de aula limpa. Para Rubem Alves, as escolas tradicionais são uma espécies de linha de montagem, em que os operários não sabem construir um objeto completo, apenas pequenas partes que vão se acoplando no decorrer do processo até compor o objeto final. Aquelas unidades que, ao final do processo, não estiverem com uma quantidade de conhecimento determinada são prontamente descartadas. Como as linhas de montagem, as escolas tradicionais se dividem em coordenadas espaciais; as salas de aula e temporais, as séries; cabe aos professores realizar o processo técnico-científico de incutir nos alunos os saberes e habilidades que irão compor o objeto final. Ou seja, a criança é o objeto original que, após ser carregada com vários saberes e habilidades, serão testados, a fim de saber se o seu produto final está apto ao mercado de trabalho. No ensino tradicional, muitas vezes a criança é obrigada a aprender aquilo que não quer. Isso a torna desestimulada, com preguiça de fazer o dever de casa, pois a vida a está chamando para uma direção mais alegre. Isso ocorre muito comumente nas escolas que são obrigadas a cumprir um programa, que passam por cima daquilo que a criança está vivendo. O processo de aprendizagem não deve ser uma coisa imposta, maçante, pode ser algo natural.
Rubem Alves usa a linguagem como exemplo de algo bastante difícil de ser ensinado e aprendido. No entanto, todos a aprendem espontaneamente, sem precisar ter aulas sobre o assunto, muitas coisas aprendem de olhar, de nos interessar ou devido a alguma necessidade. Com muita maestria, Rubem mostra que a educação pode sim encontrar novos caminhos, e para isso nos apresenta a Escola da Ponte, que possui métodos de ensino e aprendizagem simples, mas que revolucionariam a vida de todos, pais professores e principalmente dos educandos. Ao afirmar que deseja uma escola retrógrada, Rubem Alves indica que quer uma escola que vá para trás dos programas científicos elaborados e impostos, uma escola que ensine como os saberes nasceu. Ele faz uma brilhante comparação entre a memória e um escorredor de macarrão, uma vez que ambos deixam passar o que não tem serventia e retém o que vai ser usado. Segundo o autor, é isso que ocorre na Escola da Ponte: a aprendizagem se dá em cima do que vai ser utilizado, isto é, dos pratos que serão saboreados; aquilo que não pode ser apreendido é escorrido como a água do macarrão. Nas escolas tradicionais, os testes, provas e avaliações são aplicados enquanto a água ainda não escorreu; depois, grande parte desses conteúdos vai pelo ralo.
O livro a escola que eu sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir impõe questões de Rubem Alves e ele nós mostra que a educação pode sim encontrar novos caminhos, e para isso apresenta a digníssima Escola da Ponte, que possui métodos de ensino e aprendizagem simples, mas que revolucionariam a vida de todos, na qual apesar de ser professor universitário, Rubem Alves fala do desejo de voltar seu olhar para as crianças, pois nelas está à expressão de assombro, perplexidade, arrebatamento frente ao novo. Os adolescentes estão inseridos na triste lição de que aprender é chato, mas que é necessário para que possam passar no vestibular.

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