sábado, 18 de fevereiro de 2012

O Sabor da Vitória


por Mônica Teixeira

extraído da seção "Entendendo os Jogos" da edição 3 do ano II da Revista Jogos Cooperativos.

A vida é feita e recheada por nossas vivências e as sensações que obtemos com ela. Lair Ribeiro, citado em Jogos Cooperativos no Processo de Aprendizagem Acelerada (2003), diz: "Se uma onda eletromagnética não é cor até ser percebida pela visão, se uma vibração não é som até ser captado pela audição, e se um composto químico não é cheiro nem sabor até ser detectado pelo bulbo olfativo ou entrar em contato com a língua, nada do que experimentamos como realidade exterior, existe realmente até que seja captado e interpretado pelos nossos sentidos. Vivemos, todos em uma realidade virtual."
Isto quer dizer que não conhecemos a natureza da realidade de forma única, mas a interpretamos de acordo com nossas percepções acerca da realidade. Baseados nesse contexto, vamos analisar mais detidamente o sabor. Povos diferentes tem percepções diferentes acerca do sabor dos alimentos. Mexicanos, japoneses, hindus, amazonenses e gaúchos, etc... possuem culinárias características e temperos peculiares. Uma criança que nasceu e cresceu em um determinado povo, a princípio estranhará o tempero de outro. Entretanto, estranhar não quer dizer necessariamente não gostar; significa apenas, achar diferente de tudo o que estava acostumado. Esta experiência traz uma ampliação das possibilidades de combinações de sabores e aromas. Alguns sabores são muito marcantes, como o daquele doce que mamãe fazia quando éramos crianças, e nunca mais conseguimos sentir o mesmo sabor. Fora o paladar dos ingredientes, aquele doce tinha o sabor da infância, de férias na casa da avó, de liberdade e um mundo maravilhoso a ser desbravado. Este sabor é difícil de ser reproduzido pela combinação de açúcar, frutas, gelatina, leite condensado e outros. Na verdade, cada vez que saboreamos algo, o sabor é único, pois é formado pela nossa percepção, e esta possui múltiplos canais de leitura. Quando jogamos, o sabor da vitória ou da derrota é influenciado por múltiplos fatores, como por exemplo: - nossa necessidade de vencer
- outras conseqüências advindas desta vitória
- nossa relação com o adversário
- nossas experiências anteriores
- a vontade de revanche, etc.
Entretanto, a sociedade em seu processo de pasteurização da cultura, procura padronizar os sabores e as sensações tanto da vitória quanto da derrota, procurando desta forma manter os valores que norteiam aquela cultura. Assim, somos ensinados pela televisão a festejar na vitória e a chorar, na derrota. Nos acostumamos a ver em uma olimpíada, meninas e meninos, muitas vezes ainda pré-adolescentes, chorando por não terem conquistado o ouro olímpico, esquecendo-se de que a possibilidade de estar na festa de congraçamento das nações do mundo, de aprender com outros também muito bons naquilo que fazem, e principalmente de dar o seu melhor, não somente à sua equipe ou ao seu país, mas como um agradecimento à própria vida, possuem um sentido muito profundo e significativo. Porém, o que interessa no padrão atual da sociedade é o quadro de medalhas. No mesmo livro citado no início, (veja na pág. 28), Magda e Marli, capturaram um texto fantástico de Rosalba Gomes, publicado originalmente em Bases, periódico do Movimento 69, da Universidade Central de Venezuela, em 1989: "Como criança, quando brincava com meus primos, aprendi muitas coisas: o menor, o mais lento ou mais fraco de nós seria sempre o último, que teria de procurar ou outros no "esconde-esconde" e que receberia mais boladas no jogo de "caçador"; o mais vivo e esperto de nossos amiguinhos terminaria sempre sendo o primeiro: aquele que chegasse por último ao objetivo seria "burro", o objeto de todas as zombarias; o mais forte, mais atento e maior de nós estabeleceria as regras do jogo... Sobretudo, que era importante ganhar e que fracassar poderia por a perder toda a diversão... Mas ganhar nem sempre era divertido: significava inveja, revanches e tristezas, porque a alegria de ganhar costuma ser solitária, não compartilhada. Hoje, dou-me conta de que com esses jogos infantis aprendia, ou reforçava, os valores dessa sociedade injusta em que vivemos: a competição, o egoísmo, o individualismo, a agressão. Brincando, reproduzíamos o esquema de ganhadores e perdedores, manipuladores e manipulados, opressores e oprimidos. Desde então nos acostumamos a ver que a alegria e o triunfo de poucos é possível somente com a tristeza e a derrota de muitos. Que tal, então, se jogássemos reinventando os jogos, superando o medo do ridículo, fixando-nos no prazer e na alegria, antes do que em quem ganha ou perde, permitindo a participação de todos, para superar com engenhosidade o desafio, porque é importante que todos nós alcancemos a meta."
Este texto nos fala muito sobre o condicionamento para o sabor; o sabor da vitória e o sabor da derrota. Mas assim como nos encantamos quando experimentamos aquele novo prato, e passamos a incorporá-lo em nosso menu, podemos aprender novos sabores no jogo da vida. O sabor de partilhar a meta; o sabor de todos jogarem, o sabor de ninguém estar de fora; o sabor de crescer ao aprender mais; o sabor da diversão. Falamos de sabores acentuados e sabores sem graça, insossos. Muitas vezes, ouvimos: "- se não tiver a competição não tem graça". Será mesmo? Para termos a real percepção do sabor do jogo, temos que mergulhar profunda e completamente na sua experiência, procurando novos sabores. Sabores diferentes daqueles que já estamos acostumados, ao invés de tentar reconhecer sabores já conhecidos. Esta entrega, permite uma experiência de percepção muito acentuada, lembrando que nosso objetivo maior na vida, é a felicidade...de todos. Paula Falcão em seu livro "Criação e Adaptação de Jogos em T&D" (ver pág. 28), cita James P. Carse, um dos grandes pensadores sobre o mundo dos jogos e que definiu dois tipos de jogos: o jogo finito e o jogo infinito.
- No jogo finito, os jogadores jogam para chegar ao fim do jogo, custe o que custar.
- No jogo infinito, os jogadores jogam para superar os próprios limites e para continuar jogando.
Com certeza, os sabores são diferentes. Mas, só tem uma forma de descobrir. Adentre esta grande cozinha experimental, que é a vida e comece a provar novos sabores e veja quais combinam mais com você, seu jeito de ser e de viver a vida da maneira mais íntegra e profunda possível. Afinal, sabedoria está ligada a saber que vem da palavra "sapere" em latim que significa saboroso. Sábio é aquele que saboreia a vida!

Fonte: http://www.jogoscooperativos.com.br/entendendo_os_jogos.htm

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